Cozinhar e doença Crohn… será que combina?

Vivências

Devem estar a perguntar o que é que aproxima estas duas realidades bem distintas… uma aliada ao prazer e a outra a dor. E eu respondo: tudo e nada! Passo a explicar de acordo com as minhas vivências.


A primeira realidade é que descobri o prazer de comer na minha adolescência apesar de cozinhar desde a tenra idade. Fiz a minha primeira sopa aos 9 anos num dia que a minha mãe estava doente e acamada e, sem conseguir levantar para cuidar da comida, pediu-me para ir chamar a Ti Sabina (o nosso anjo protetor de vários momentos) para nos ir fazer algo de comer e para sua surpresa disse: mãe fiz-te uma sopa. Ela recobrou logo as forças e começou a fazer-me perguntas de como tinha ligado o gás, como tinha chegado ao fogão e eu expliquei-lhe que sempre observava como faziam e já sabia ligar e desligar o gás e de resto bastou um banco para alcançar tudo. Ela não acreditou até ver a sopa fumegante em cima do fogão. A partir desse dia ganhei o direito de cozinhar, sempre observada mas com liberdade para criar. De início fazia biscoitos, lembro-me de ter feito umas dezenas de vezes uma receita de scones que vinha em revistas da Rua Sésamo (nunca tinha comido scones mas faziam parte do meu imaginário da leitura da coletânea “Os cinco” da Enid Blyton) e fazia sempre bonecos maravilhosos com a minha irmã e a minha prima.

O prazer de comer veio com a idade e os padrões foram moldados ao longo dos anos mas com os meus 17 anos já tinha uma noção clara de como gostava de confecionar as minhas refeições. Lembro-me que não gostava nem um pouco da massa como era confecionada em Cabo Verde com tudo ao molho, deixava-me com náuseas que comecei a preparar a minha própria massa, tudo separado e juntado no prato. Na altura não havia internet e toda a informação que há hoje, apenas as revistas de culinária que a minha mãe colecionava cujos ingredientes, muitos, não existiam em Mindelo. Portanto quando provei pela primeira vez massa italiana al dente… foi uma glória, pareceu-me tão acertado!


Nunca tive medo de experimentar coisas novas muito pelo contrário adoro tudo o que é novo e diferente e tenho vários amigos que até a data fazem afirmações do género “foi contigo que comi pela primeira vez isto” ou “foste tu que me fizeste gostar desta comida” e isto porque acredito que podemos gostar de quase tudo se o provarmos bem confecionado e desafio-me sempre que alguém diz que não, a fazê-lo dizer que sim… manias deste meu feitio, mas adoro ser bem sucedida 🙂


Misturando e baralhado tudo isto entra o sr. Crohn e as suas supostas limitações alimentares. Supostas porque nenhum organismo é igual e não há uma única dieta para a DC. Então vai-se experimentando e vendo como reage o intestino aos clássicos maus amigos: os fritos, o açúcar e o álcool.


Confesso que inicialmente não fiz muito caso a isso e a minha visão era não comer fritos, e se bebesse dois copos continha na comida e se exagerasse na comida continha nos copos. Evitava fritos, feijões, milho, couve e repolho. Resultou algum tempo mas sempre com as crises cíclicas e carências de ferro devido à má absorção do intestino. E não há nada mais aborrecido do que fazer uma dieta durante uma crise intestinal… comer o mais básico possível e super aborrecido.

Tinha que fazer algo mais para evitar as crises e o desconforto abdominal e assim comecei a minimizar alguns ingredientes na minha dieta como a farinha de trigo e o glúten no geral e o açúcar. Esta opção fez-me conhecer várias opções de conseguir resultados bons com outros ingredientes e, principalmente, conhecer outros nutrientes. Esta descoberta tem sido maravilhosa não só por ter a possibilidade de trabalhar com outros ingredientes e materiais mas pelo impacto positivo que tem na minha saúde no geral.


Conheço várias dietas que prezam pela isenção de açúcar e farinhas mas não sigo nenhuma em particular mas conjugo vários elementos da imensa informação que existe neste momento. Isto também não significa que nunca coma farinha ou açúcar porque como já disse neste blogue eu não sou pessoa de me restringir. O açúcar, as gorduras e as farinhas com glúten apenas não fazem parte da minha rotina diária mas ocasionalmente dou uma (ou várias) dentadas e com muito prazer, não fosse um pão com manteiga ou azeite um pecado tão simples e maravilhoso.


Portanto não tendo sido o Crohn o responsável pelo meu gosto pela cozinha, é responsável pela abertura a um mundo de possibilidades gastronómicas que trago para o meu dia-a-dia os quais pretendo partilhar neste blogue.