A medicação, a retoma, os velhos e novos processos

Desafios

Acordei cedo, saí de casa ainda com o friozinho cortante da madrugada, apanhei a linha 735 da carris e desci da graça rumo ao hospital Egas Moniz. Tive a sorte de conseguir apanhar o elétrico até ao hospital e parecia quase que uma viagem turística que poderia terminar em Belém, acompanhado de um pastel de nata com canela e café.


Cheguei a porta do hospital, fiz exatamente o mesmo caminho até a farmácia. Tirando as obras que decorriam na ala de infeciologia e a triagem obrigatória devido à covid19 poder-se-ia dizer que fazia uma viagem ao passado.


A farmácia continua exatamente no mesmo sítio e, quase que posso dizer que com as mesmas pessoas. Levantei a medicação, agora de nome e embalagem diferentes. Estranhei, mas depois de quase cinco anos sem medicação as diferenças são normais.


Segui para o hospital de dia e fui encontrar-me com a enfermeira que tem, no nome, uma analogia com nome do bairro onde estava hospedada. Sorri ao dar-me conta desta coincidência e fiquei muito feliz ao ver que era a mesma enfermeira que me tinha guiado, há mais de 10 anos, na minha primeira viagem com a medicação, numa altura que andava tão perdida e não me recordava do nome, mas a pessoa, a simpatia e doçura vieram logo a memória e com isso uma sensação de paz.


Enquanto esperava, o candeeiro de sal dos himalaias que está na receção do hospital de dia desde a primeira vez que aí estive, refletia a paz que sentia. Não sei de quem foi a ideia, mas este toque energético é um bálsamo a alma de que vem, muitas vezes desamparado e aturdido, com tanta novidade, as vezes muita dor e outras com muitos receios. Chega-se aí e saí alguém por detrás desta luz laranja e diz-nos: Bom dia, em que posso ajudar. E, neste preciso momento, com todo esse cenário, já ajudou a alma, os anseios e os medos a acalmar. Foi uma agradável surpresa, 10 anos depois voltar a encontrar o mesmo cenário.


Quanto à medicação a enfermeira explicou-me que não ia fazer a mesma injeção que fazia antes mas sim outra com o mesmo principio ativo, o adalimumab e que isso acontecia porque esta medicação nova é um genérico e tem um custo mais barato. Dito isto, seguimos para as apresentações porque esta amiguinha precisa de ser apresentada para percebermos como é que funciona. E esta disco party para começar tem que valer a pena e são logo quatro shots (injeções) de uma só vez, uma para a enfermeira e três para mim porque queria aprender a fazer de uma vez para não ter que voltar ao hospital.


Auchhhhhh… bem esta amiguinha aqui não é nada boazinha, tem uma agulha maior e mais líquido, além da caneta ser um pouco mais complexa que a outra. De auchhhh em auchhhh lá conduzi a medicação até ao fim, firme e forte mas confesso que com dores e no fim ainda fiquei com uma valente dor abdominal que durou até ao outro dia. Estava a estranhar tanta dor, até porque sou uma repetente na matéria. A enfermeira explicou-me que esta nova caneta, a Idácio, contrariamente ao Humira (que fazia anteriormente) está a dar este efeito da dor que reportei e acabei sendo contactada para um inquérito relativo ao mesmo. Passado já um pouco mais de um mês os efeitos permanecem mas mais suaves. Entretanto, já estou apenas com uma caneta de quinze em quinze dias, logo a festa é menor.


De volta aos velhos processos de pedir a medicação em lisboa, arranjar um portador em mãos, já que a mesma não pode viajar sem refrigeração e em bagagem de porão, que mo traga até Cabo Verde. Vantagem covid é que o levantamento na farmácia pode ser de dois em dois meses e não um como era anteriormente e o processo de dispensa de medicação para quem está em viagem é mais célere.


E, assim, volto a introduzir a medicação na minha rotina de vida. Um pouco mais dolorosa mas continua sem pesar nem a alma, nem a vida.

Vamos falar de sintomas?

Desafios

Criei este blogue com a intenção de manter as questões técnicas da Doença de Crohn o mais distante possível porque não sou médica e acredito que cada área deve estar assegurada a quem compete. “Então porque é que vamos falar de sintomas?” Pergunta pertinente que respondo a seguir.

Se já leram a história retratada no blogue já sabem que os meus primeiros sintomas foram violentos. Muito resumidamente tive um pouco de tudo: diarreia normal e com sangue, febre, perda de peso, anemia, fraqueza generalizada, cólicas e facilidade em apanhar viroses devido à baixa imunidade. Entretanto, apareceu a medicação que no meu caso resultou à primeira (já ouvi relatos de pessoas que não conseguiram), portanto, a minha estrelinha da sorte funcionou neste caso e em três meses estava quase como nova. O resto da minha vida já sabem, entre um e outro sintoma, mas nada muito profundo que tenha gerado internamento e outras consequências da DC que espero não vir a ter.

Há quase 5 anos, engravidei e choveu uma tempestade de dúvidas que depois foram dissolvendo e tive uma gravidez maravilhosa (irei escrever um post sobre a DC e a gravidez para falar mais sobre este tópico). Parei a medicação que fazia (um imunossupressor) no sexto mês de gravidez e nunca mais voltei. SIM!!! Nunca mais até a data de hoje e já estou há mais de quatro anos sem medicação nenhuma. O fim da gravidez correu bem sem medicação e o período de amamentação foi ainda melhor. Amamentei o meu filho até os 18 meses o que fez prolongar este efeito de boas graças entre a maternidade e a minha condição de DC.

Findo este período, fui fazer os exames e mais uma vez a coisa estava calma, havia alguma ulceração mas nada de grave e não havia razão para voltar a medicação. Estava muito feliz porque não teria que voltar a medicação mas tinha uma ressalva de voltar em seis meses para fazer uma cápsula endoscópica (basicamente, engolir uma câmara fotográfica que transforma o nosso aparelho digestivo um autêntico big brother tecnológico e é possível ver tudo porque nada lhe escapa).

Entretanto, veio a pandemia e o mundo parou. Como sou seguida em Portugal, infelizmente, em Cabo Verde não existem todos os recursos a que tenho acesso fora do país, portanto, a minha vida de doente, também, parou. O bom desta situação é que não tinha sintomas (uma diarreia aqui ou acolá mas nada de relevante ou uma pequena crise quando a boca não se autocontrola) e como os últimos exames tinham sido bons não estava muito preocupada.

Neste verão, já com a pandemia mais sob controlo voltei a Portugal para fazer os exames de rotina. Como tinha organizado tudo a partir de Cabo Verde consegui fazer tudo em três semanas (consultas, exames de sangue, fezes, urina, ressonância magnética e cápsula endoscópica), mas as respostas não consegui porque a pandemia atrasa tudo. Acordei com a médica fazer o acompanhamento por teleconsulta para poder regressar na data prevista e assim foi.

Semanas depois foi a teleconsulta e eis o resultado: Doença de Crohn em fase moderada e que terei que voltar à medicação. A minha pergunta foi: mas como, se eu não tenho sintomas da doença?

Ao que parece o Sr. Crohn é muito brincalhão e dá asas a sua criação sem nos avisar. Eu já tinha ouvido da manifestação da doença através da pele, mas assintomática confesso que não. Tirando alguma insónia (quem sofre dos intestinos sabe que o mau funcionamento do mesmo dá lugar a noites muito mal dormidas) não tenho sintomas de forma continuada. Até ganhei peso em vez de perder e nem anemia tive.

Isto veio realmente reforçar que quando temos alguma questão de saúde não devemos negligenciar os exames de rotina por melhor que estejamos. Porque o nosso corpo pode ficar em modo bomba-relógio que em algum momento explode e pode não ser uma granada mas sim uma grande bomba atómica ao qual é mais difícil recuperar dos estragos. Da única coisa que, realmente, tenho algum receio nesta vida de DC é da colectomia, ou seja, a retirada de parte do intestino em que muitas vezes a pessoa passa a usar um saco externo, por isso, gosto de manter as rotinas dos exames e ser, até onde posso, mais preventiva que reativa.

Tenho que confessar que odeio tomar medicamentos e muito facilmente esqueço-me ou salto as rotinas. Sou mesmo péssima e agora o protocolo para voltar a medicação é bem mais complexa do que fiz na primeira vez. Primeira coisa é que vivo no país que tem manifestação da tuberculose e para voltar ao imunossupressor tenho que fazer terapia para a tuberculose latente. Vem daí um comprimindo por dia, com vitamina B6 associada, mais outras cápsulas para ir mantendo o intestino estável até começar a medicação indicada pelo médico que só posso fazer depois de um mês da terapia da tuberculose concluída, mas que terei que dar seguimento por seis à nove meses. Prefiro nem pensar para a minha cabeça não dar um nó mas é necessário cumprir direitinho para evitar complicações maiores.

Também é importante colocar as vacinas em dia por causa da doença, porque a fazer medicação com imunossupressor não posso fazer vacinas que tem o vírus ativo, portanto; covid (ok); hepatite B (já foram 2 doses, falta uma); pneumo-qualquer coisa (ok desde 2019); pneumo-qualquer coisa 2 (não encontro em CV fica para quando for a PT); febre-amarela para poder deslocar para países africanos (ok); gripe (vou fazer ainda esta semana) … e ainda há gente a reclamar para fazer a vacina da Covid 19. Ofereço o meu braço se o problema for a picada.

Em dez anos de DC, como vêm, já passei por cenários interessantes, desde sintomas profundos a quase inexistência de sintomas o que vem reforçar que as doenças autoimunes são muito instáveis em relação à sua manifestação e, se tivermos histórico com uma doença autoimune o melhor é seguir um controle apertado para a mesma não fugir do controle dos médicos e a nossa vida não fugir ao nosso controlo. Respeito muito o meu corpo, a duras custas, mas já aprendi a respeitar a medicina e o trabalho médico que realmente salva vidas ou as melhora consideravelmente.

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Continuar a viver em liberdade (7)

Desafios

Já tenho mais de 10 anos a conviver com o Sr. Crohn. Entre altos e baixos cá estamos, o desafio é diário, as dores vão e voltam mas aprendemos a conviver. Aceitar a doença foi vê-la não como uma parte de mim, ou seja, ela não me define como pessoa nem a minha personalidade. É uma doença com o qual tenho que lidar mas não posso deixa-la ter um papel de liderança. Sentei-me novamente no trono da minha vida e reclamei a minha liderança eterna! Que se lixe tudo o resto!


Aprendi a respeitar mais o meu corpo e a perceber os sinais de qualquer anomalia. Mantenho uma alimentação o mais saudável possível, o que não é muito difícil para mim porque já o fazia anteriormente, mas vou respeitando o meu corpo e ajustando conforme as fases. Tirando os fritos que evito ao máximo (mas cometo os meus pecados uma vez ou outra) como quase tudo, dependendo de como está o meu intestino. Tenho feito alguns ajustes na alimentação mas estes vou apresentando ao longo do blogue.


Continuei a desafiar-me e a experimentar coisas novas porque essa é a minha essência, gosto de viver com a liberdade de escolher. Apenas sei que tenho que levar para qualquer lado uma bagagem extra, mas já não me incomoda nem me pesa a alma. Abri o meu peito e voltei a respirar a plenos pulmões.


Não há uma forma ideal de lidar com nenhuma doença que irrompe pela nossa vida sem pedir licença. O sofrimento é inevitável mas a escolha do tipo de vida que pretendemos levar é apenas nossa. Eu votei em mim mesma e na minha força porque acredito que todos nós temos a força interior capaz de dar a volta a situações mais negras desta vida e olhar em frente como se conduzíssemos numa estrada infinita cheia de possibilidades e, continuo a amar e a desfrutar todas as possibilidades que a vida me apresenta.


Amar a mim mesma e a tudo o que me rodeia tem sido uma fonte de energia inesgotável. E quando me sinto cansada, sem energia, perdida, refugio em mim mesma, medito e volto a sentar no trono da minha vida porque só existe um comando neste barco e ele é meu!

A nova adaptação à Cabo Verde (6)

Desafios

Pelo meu bem-estar e pela terapia que faço o ideal seria continuar em Portugal mas a minha vida estava em Cabo Verde para onde tinha regressado havia apenas 2 anos e decidi arriscar mantendo todos os meus tratamentos e seguimento médico em Portugal.


Este sim, foi um grande desafio, sendo que a medicação que faço não existia no país, bem como uma boa parte das terapias e modos de controlo da doença. Um outro problema que existe é o facto de fazer uma terapia que funciona baixando o meu sistema imunitário (a doença de Chron é uma doença autoimune) assim, existem terapias que consistem de certa forma em “enganar” o nosso sistema imunitário e desviá-lo do ataque aos nossos intestinos. Isto cria outros problemas como a maior probabilidade de desenvolver cancro e, principalmente, sujeita quem faz a terapia a estar mais vulnerável a infeções.


Quem vive em Cabo Verde sabe que, o paraíso tropical também nos sujeita ao contacto com infeções, doenças tropicais e algumas viroses sem nome. Sem contar com toda a carga viral que podemos receber de picadas de mosquitos ou os problemas intestinais derivados de alimentação fora de casa, menos cuidada. Na altura ainda tinha outro problema, a Electra! O país atravessava graves problemas com a estabilidade da produção de energia o que nos obrigava a mais de 24h sem luz. Como conservar a minha medicação que tem que estar estabilizada numa temperatura de 2 a 8 graus?

Outro desafio, não menos pertinente, era como fazer chegar a medicação à Cabo Verde. Ao dia de hoje tenho vivido de apoios de amigos e familiares que se deslocam ao hospital, fazem o levantamento da medicação e depois fazem-no chegar até mim. Já perdi noção do número de favores que já tive que pedir e do número de pessoas que já me ajudaram, mas a todos eles sempre o meu mais profundo agradecimento.

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A parede branca (5)

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Uso esta analogia porque foi assim que me senti, tinha que começar outra história, uma história que contestava… mas porque eu? O que eu fiz para merecer? Pior que as dores eram as limitações que imaginava na minha vida, a alimentação, as viagens, a saúde, a medicação, o bem estar… Enfim, tinha que encaixar tudo isso numa nova forma de existir.

Quem me conhece bem sabe que limitar-me em qualquer ponto do meu ser corresponde a retirar-me um braço. Liberdade para mim é tudo! E tinha que aprender a viver enlaçada a um senhor que até tem um nome bastante intragável Crohn. Pela primeira vez senti que não tinha o controlo nas minhas mãos e entreguei-me na dos médicos e cumpri religiosamente tudo o que me foi proposto. Acho que pela primeira vez na minha vida não contestei nada, limitei-me a obedecer.
Três meses depois os resultados começaram a vir positivos, a melhoria foi visível, recuperei o peso, a minha energia e a vontade de voltar a respirar em plenos pulmões. Permaneci esse tempo em Portugal até estar estável e preparei o meu regresso à Cabo Verde para a festa do final do ano na minha amada ilha de São Vicente.


Tudo era novo, tive que explicar a doença à minha família, aos meus amigos próximos, limitar as minhas experiências gastronómicas e a paródia.

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O diagnóstico em Lisboa (4)

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Já em Lisboa fui ter com a minha amiga que me obrigou a passar 3 dias em repouso absoluto só a comer e a fazer exames. A primeira diferença que percebi em relação a Cabo Verde é que antes do diagnóstico não foi-me dado nenhuma medicação. Apenas indicação para me manter nutrida e hidratada e recuperar forças. Veio a “santa” colonoscopia, nesta altura sentia-me tão mal que nem foi difícil fazer a preparação, fiz tudo como indicavam as instruções e lá fui fazer. Resultado, possibilidade de doença de Crohn em fase ativa e ulcerações. Pela segunda vez tive que ler o nome deste intruso que teimava em fazer parte da minha vida!


Tive que fazer uma cápsula endoscópica para confirmar a doença de Crohn e avaliar a extensão dos danos que vieram a confirmar serem bastantes. Na altura a médica me informou que iam avançar com uma terapia agressiva comigo porque tinha havido um caso semelhante ao meu há pouco tempo e fizeram uma abordagem mais moderada o que não impediu que a pessoa tivesse que passar por uma cirurgia e retirar parte do intestino inflamado. Conferenciados os médicos foi-me apresentado os corticoides e o humira e doses de ferro por via endovenoso porque já não tinha reservas. Tudo isto porque tinha que começar imediatamente para controlar os danos.


Confesso que ouvir tudo isto foi como receber um murro no estômago. Minha capacidade de absorver palavras novas estava bastante limitada, lembro de ter a sensação de estar perante uma parede branca no qual não sabia que cor pintar. Um vazio enorme apoderou-se de mim, sendo eu uma controladora nata da minha vida, independente, que só queria viajar e experimentar coisas novas, com o peito aberto a todas as novidades mesmo as mais surreais. Para mim não existiam impossíveis, mas até a data só tinha pensado no positivo e em todas as possibilidades maravilhosas que a vida nos apresenta. Entre altos e baixos que todos temos na vida eu, nos meus 30 aninhos, sentia-me imensamente feliz.

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Internamento em Paris (3)

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A viagem até Paris correu sem grandes sobressaltos porque não comi e bebi só um pouco de café e um pedaço pequeno de chocolate. Tinha imensa dor de cabeça e um grande desconforto abdominal. Chegamos em Paris, já em casa do meu tio jantamos e localizamos os contatos da agência para alterar a viagem no próximo dia. Depois do jantar voltou a acontecer o mesmo cenário de Londres e cheguei a pensar que ia sangrar até morrer porque não concebia de onde poderia sair tanto sangue dos meus intestinos. Assustada pedi ao meu tio para me levar para as urgências porque já não aguentava e tinha medo de me esvair em sangue e morrer com uma hemorragia.


Fomos ao hospital no qual tiraram-me sangue para análises e deixaram-me em observação até chegar os resultados. No meio disso levanto-me e vou ao encontro da minha família e da minha amiga. O corpo estava tão fraco que desmaiei, acordei com uma enfermeira a gritar comigo em francês e eu mal conseguia articular que precisava de uma casa de banho…urgente!!! Quando nos entendemos (até hoje não me lembro como) entrei numa casa de banho onde vomitei e caguei (desculpem a expressão mas foi mesmo isso) tudo o que havia no meu sistema. Lembro-me de ter ido ao chão da casa de banho porque o toque frio do chão despertou-me. Não conseguia gritar, nem pedir ajuda, estava sem forças. Deixei-me ficar no chão até reunir forças para me levantar, agarrar as paredes e caminhar até a cama onde tinha estado anteriormente. Ainda não sei como consegui sair daquele chão, mas lembro-me de ter pensado e ter concluído que tinha tido uma boa vida e que se morresse nesse dia, morreria feliz.


O frio do ar condicionado do hospital ajudou-me a recuperar um pouco a energia perdida se bem que a dor de cabeça era infernal. Mal conseguia pensar. O meu tio veio ter comigo a informar-me que o hospital tinha decidido deixar-me internada em observação, apareceu a agulha e o frasco de soro, apeteceu-me chorar (não me recordo se chorei ou não) mas queria fazer-me de forte para não preocupar as pessoas. Entreguei-me aos cuidados médicos pois nada mais conseguia fazer.


Foram 3 dias de internamento em Paris, sem nenhum diagnóstico porque quando se vive em África as análises são infinitas desde HIV, malárias e todo o género de contaminações. Pelo menos fiquei a saber que não tinha nada de contagioso. Chegou finalmente o dia do regresso a Lisboa e eu queria regressar. Meu tio e meus primos insistiam que ficasse em Paris mas eu queria estar num lugar onde pelo menos conseguisse entender tudo o que me dissessem. Os médicos do hospital de Paris aconselharam-me a não viajar, estava fraca e muito anémica. Nesta altura pesava 44 quilos e nem as minhas roupas serviam bem. Foi uma luta com o hospital, mas lá me deixaram sair depois de ter assinado o termo de responsabilidade e de me terem dado uma panóplia de documentos e exames para levar comigo até a próxima médica.

Ao menos de quase todas as janelas do hospital, inclusive do quarto onde fiquei, havia vista para a Torre Eiffel, portanto, do ponto de vista turístico nem tudo foi perdido.

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As férias negras (2)

Desafios

Passaporte, bilhetes na mão, uma excelente companhia de viagem e três destinos: Lisboa, Paris e Londres. Férias felizes certo? Foi o que eu pensei…

Passagem por Lisboa foi rápida e segui para Paris. O plano era passar 2 a 3 dias em Paris, ir a Londres e voltar para terminar de disfrutar da cidade luz. Até aqui as coisas estavam mais controladas ainda que já vivesse constantemente com diarreia. Chegamos em Londres e a vida estava a correr minimamente, nunca fui de comer fast food, mesmo em viagens, por isso entre uma diarreia e outra ia-me aguentando sem perturbar a minha viagem e a das outras pessoas. Até que houve um jantar num destes restaurantes temáticos dos muitos que existem em Londres. Comemos bem depois de um dia a passear no centro de Londres. Chegamos a casa, todos felizes, banho, organização do plano para o dia seguinte e cama.


No meio da madrugada acordo com uma reviravolta na minha barriga e não conseguia precisar de onde vinha tanta dor e tando desconforto. Depois de um bom tempo na casa de banho reparei que a minha diarreia era de cor sangue e tinha uma dor de cabeça infinita que mal me deixava aguentar em pé. Tremia, meu mundo parecia ter entrado em terramoto e não sabia o que fazer. Quando consegui sair da casa de banho fui beber água, fiz pesquisas e mais pesquisas na internet sobre formas de parar a diarreia e eram chás de camomila, água de arroz, enfim uma panóplia de sugestões que acabei por fazer ao longo da noite sem melhoria nenhuma. Não dormi mas não queria estragar o programa. Assim no dia seguinte seguimos para mais um passeio. Eu comia o mínimo possível e lembro-me de ter bebido café tal era a dor de cabeça e um pedaço de chocolate, ou seja, uma bomba para um intestino irritado.


Obviamente, no meio do passeio tive que usar uma casa de banho pública e a dor era torturante, o sangue abundante e o odor fétido. Tive vergonha de sair do separador da casa de banho até ter a certeza que não estava ninguém por perto. Por esta altura as minhas férias e a dos meus amigos já estavam arruinadas.


Já não me lembro detalhadamente se partimos neste mesmo dia ou no dia seguinte para Paris. O meu plano era chegar à Paris e mudar o bilhete e regressar o mais breve que conseguisse à Lisboa. Já tinha falado como a minha amiga de Lisboa ao telefone e ela estava a minha espera, depois de me “dar nas orelhas” por ter inventado tal aventura quando não estava bem.

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Porque falo da doença de Crohn? (1)

Desafios

Começar esta apresentação é extremamente difícil, sendo jornalista de formação, gosto de escrever sobre os outros e não sobre mim. Este é o meu primeiro desafio com este blog, apresentar a doença de Crohn através da minha história.

Conheci a expressão doença de Crohn há 10 anos, quando através de pesquisas feitas na internet reparei que os sintomas que tinha estavam todos descritos numa estranha expressão que lia pela primeira vez…doença de Crohn. Obviamente, a minha primeira reação foi negar, não é possível! Isto é só um desequilíbrio emocional e daqui a pouco passa.

O meu desequilíbrio emocional começou quando recebi a notícia de um mau diagnóstico, que indicava que meu pai sofria com um cancro intestinal em fase terminal. Além do diagnóstico ele andava com uma aparência muito má. Foi muito difícil vê-lo assim e a minha teimosia não queria aceitar este desígnio. Tratei de tudo e, mesmo contra indicações médicas, coloquei-lhe num avião para Portugal para uma segunda opinião médica. Dias depois o meu pai tinha um diagnóstico completamente diferente que apontava para colite ulcerosa (mais um desconhecido que me foi apresentado) e meses depois já tinha recuperado a aparência e, principalmente, a vida.

Do meu lado o estrago estava feito, o efeito do meu desequilíbrio emocional não passava e desloquei-me a para a ilha de São Vicente para consultas e exames (já que na cidade da Praia não havia na altura a especialidade de gastroenterologia). Mais uma vez um diagnóstico enviesado que apontava para o mesmo diagnóstico do meu pai. Fui medicada, sem melhorias.

Contactei uma amiga em Portugal que também é gastroenterologista para lhe explicar a minha situação e ela calmamente pediu-me para não entrar em stress e que começasse pelo mais básico, uma desparasitação para ver se não havia nenhum parasita a castigar o meu intestino e que fosse ter com ela quando fosse para Portugal.

Confesso que segui a minha vida normal, na altura corria 7 km quase todos os dias o que mantive o mesmo ritmo porque, na não-aceitação do problema, acreditava que o corpo tinha que trabalhar para se recuperar sozinho. E, nesta falta de conhecimento real sobre o que se passava, marquei as minhas férias e fui passear pela europa antes de ir ao médico. A fase de negação é uma fase bastante real e não importa a capacidade intelectual de cada um, ninguém quer ter uma doença associada a sua vida.

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